Antas: sentinelas que anunciaram a contaminação humana por agrotóxicos e metais pesados no Cerrado do Mato Grosso do Sul

Anta brasileira (Imagem Instituto IPÊ)

A anta é uma espécie SENTINELA, ou seja, pode ser utilizada para detectar riscos ou perigos a elas mesmas e a outras espécies, incluindo seres humanos. Por esta razão, a presença das substâncias nas antas levantou a preocupação de pesquisadores sobre a saúde das comunidades vivendo na região em que os animais foram amostrados.

Pesquisa realizada nos municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina (MS) demonstra que moradores locais estão contaminados por agroquímicos e metais, como o glifosato. O Brasil permite altos limites de utilização do herbicida.

Em abril de 2023, uma equipe multidisciplinar, estabelecida pela INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, realizou a coleta de amostras biológicas de seres humanos para detectar a presença potencial de agroquímicos e metais. O estudo foi realizado cinco anos depois que a INCAB-IPÊ identificou a presença desses químicos em antas vivendo na natureza na mesma região.

Os pesquisadores detectaram cinco agroquímicos durante a pesquisa, sendo dois Organofosforados (Glifosato e Malathion) e três Organoclorados (pp’DDD, Dieldrin e Beta-BHC). Ao todo, 94 moradores dos municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul, fizeram parte do estudo e tiveram amostras coletadas para exame. Desses, 36 pessoas testaram positivo para algum agrotóxico, sendo que em alguns casos há mais de um químico presente. Essa situação é conhecida como ‘coquetel de agroquímicos’. Seus efeitos ainda são pouco conhecidos, mas a interação entre químicos pode ser ainda mais perigosa. Do total de participantes, 78 foram testados para o glifosato em amostra de urina. Este é o herbicida mais utilizado no Brasil e possui potencial cancerígeno, segundo estudos. O glifosato se mostrou presente em 25 pessoas.

“O organismo humano é capaz de metabolizar e eliminar diversas substâncias, entretanto as moléculas de vários agrotóxicos podem se depositar no corpo e causar danos aos órgãos e tecidos, como fígado, rins, pele e sistema nervoso. A depender da dose no corpo, pode levar inclusive à morte”, explica o Médico e Doutor em Doenças Infecciosas, Maurício Pompílio.

Para o médico e pesquisador do Instituto de Saúde Pública da UFMT Wanderlei Antônio Pignati, o glifosato dura 60 dias no solo, o 2.4.D dura cerca de 100 a 150 dias, mas um dos seus contaminantes do processo químico de produção, a dioxina, que vem diluída no meio do 2.4D, é altamente cancerígena e pode durar centenas de anos para se degradar totalmente na natureza. Ele alerta que a contaminação se dá, pois, os agrotóxicos contaminam o ar, o solo, a agua, a carne e os alimentos de um modo geral provenientes das culturas onde são empregados. Em recentes pesquisas orientadas pelo médico, o produto foi detectado inclusive no leite materno em gestantes de Mato Grosso. Ele ressalta ainda que os dois herbicidas mais usados nas lavouras transgênicas, o 2.4D e o glifosato, são cancerígenos, teratogênicos (causam deformações congênitas) e desregulação endócrina.

“Passamos a utilizar as antas como sentinelas na detecção de compostos químicos em áreas dedicadas à agricultura e pecuária – particularmente as grandes monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho e algodão. Começamos a pensar que, sendo as antas sentinelas e nos mostrando quais são os compostos presentes no ambiente, as comunidades humanas nessas regiões estariam também expostas a esses químicos. A gente espera que, com esse conjunto mais amplo de resultados, seja possível iniciar uma conversa com os órgãos governamentais, os laboratórios, as empresas do agronegócio que estão envolvidas com essa cadeia de utilização dos agrotóxicos em nosso país”, explica a pesquisadora e coordenadora da INCAB-IPÊ, Patrícia Medici.

O Dr. Maurício Pompílio explica que, com os resultados obtidos na pesquisa com humanos, há medidas individuais e coletivas que devem ser tomadas. “No aspecto individual, identificar se seus exames estão normais ou alterados e, em caso de alterações, procurar ajuda para avaliar melhor seu estado de saúde. No aspecto coletivo, sensibilizar todos os trabalhadores rurais para a necessidade do uso dos equipamentos de proteção individual durante o manejo do solo e defensivos agrícolas”. Maurício também explica que a contaminação pode ser proveniente de áreas com aplicação dos agroquímicos em larga escala. “Comunidades rurais, gestores locais e conselhos precisam somar esforços para que os responsáveis pela produção agrícola em larga escala empreguem estratégias para reduzir imediatamente esta contaminação e apliquem alternativas deste manejo do solo e produção agrícola de forma mais consciente e segura”, destaca.

Com informações do Instituto  IPE , editado por Paulo Machado do Portal de NotíciasSustentáveis.

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