Aumento da dengue no bioma Cerrado é consequência da degradação Ambiental

Desmatamento do Cerrado pela monocultura da soja (Foto Adriano Gambarini wwfBrasil)

Há anos cientistas pesquisam a relação entre mudanças climáticas, aquecimento global, desmatamento pela agricultura e a pecuária, ocupações urbanas e o desenvolvimento de doenças tropicais, como a dengue, na Região Centro Oeste.

Um estudo conduzido por pesquisadores de quatro universidades de Minas Gerais destaca como as matas, ao contrário do que diz o senso comum que as associavam com doenças tropicais, são uma das principais ferramentas de combate contra o Aedes aegypti e outros vetores dessas doenças.

“O Aedes aegypti não consegue sequer se instalar em uma área florestal. Só se estabelece em um ambiente com menos competidores e nenhum predador. Ele lida mal com a biodiversidade brasileira, e quando a diminuímos é criado o nicho perfeito para o mosquito se instalar e se reproduzir”, explica Sérvio Pontes Ribeiro, da Universidade Federal de Ouro Preto- Ufop, um dos responsáveis por uma das pesquisas sobre o assunto.

Segundo o pesquisador, uma importante solução para combater a proliferação desse mosquito nas cidades é reflorestar dentro e no entorno dos municípios. “Os corredores arbóreos atraem passarinhos e outras espécies de mosquitos que não são transmissores de doenças e podem competir com eles. As matas bem cuidadas e preservadas fragmentam a população de Aedes aegypti e têm um efeito de dissolução. ”

Segundo os pesquisadores, essa realidade é ainda mais evidente com a dengue, pois o Ae. aegypti, mosquito que transmite a doença, tem pouca afinidade com áreas verdes, mas é extremamente bem adaptado ao interior das residências. Já a outra espécie, o Ae. albopictus, é mais bem adaptada para viver em áreas de florestas e parques urbanos e nunca foi registrado como vetor da dengue no Brasil. 

Os pesquisadores usaram as duas espécies para entender o papel das áreas verdes na invasão de Aedes em Mariana e Ouro Preto. Como esperado, o Ae. aegypti foi favorecido por áreas urbanas adensadas e com pouca cobertura vegetal, enquanto o Ae. albopictus, que não transmite a dengue, estava presente em áreas mais verdes e abertas. Ou seja, a distribuição bem definida das duas espécies pode exercer forte competição contra o Ae. aegypti em áreas verdes, o que pode contribuir para a diminuição dos casos de dengue em uma cidade com boa distribuição de parques, praças e jardins, desde que a limpeza urbana seja exemplar. 

Segundo o pesquisador Christovam Barcellos, um dos autores do estudo Mudanças climáticas, anomalias térmicas e a recente progressão da dengue no Brasil do Observatório de Clima e Saúde, da Fiocruz, as constantes ondas de calor causadas pelas mudanças climáticas associadas à urbanização incompleta e à grande circulação de pessoas em determinadas áreas estão influenciando na expansão da dengue para o interior do país.

Atualmente, pesquisas apontam que as doenças tropicais, como a dengue, estão associadas ao descaso com terrenos baldios, à falta de saneamento básico e ao acúmulo de lixo. Já as áreas verdes, quando bem cuidadas e manejadas e limpas, são desfavoráveis às diversas doenças, pois favorecerem espécies competitivas benéficas e predadores dos insetos vetores de doença como beija-flores, libélulas e morcegos. 

Barcellos ressalta que a dengue vem se espalhando para as regiões Sul e Centro-Oeste, onde a doença não era tão comum. Isso está ocorrendo por conta do aumento na ocorrência de eventos climáticos extremos, como secas e inundações. Além disso, outro fator decisivo seria a degradação ambiental, especialmente no Cerrado, que vem sofrendo com o desmatamento, queimadas e conversão de florestas em pasto.


A devastação de áreas verdes no cerrado, vem se acelerando há décadas. Em 2018, dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente indicavam que a devastação do Cerrado, a savana brasileira, era 60% a mais do que a perda na Amazônia nos últimos sete anos. No total, foram 80 mil km² de terras devastadas, contra 50 mil km² da Amazônia.

A região do Cerrado é onde mais se expande o agronegócio brasileiro. Números mais recentes confirmam essa tendência. Em 2021 o monitoramento do Cerrado, feito por satélite, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), analisados pelo Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia divulgou nota afirmando que a “savana se consolida como o bioma mais ameaçado do Brasil atualmente”.

“A preocupação é que o Cerrado é um bioma que já perdeu 50% da cobertura original e que já vem sendo bastante pressionado sob as transformações das últimas décadas”. afirma a pesquisadora Mercedes Bustamante, professora titular da Universidade de Brasília (UnB) e uma das principais referências sobre o bioma no país.

Para a cientista Terena Castro, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), “O avanço do desmatamento no Cerrado, sobretudo nos últimos anos, é uma realidade preocupante. O plantio de commodities agrícolas nessas regiões vem causando grande impacto para a natureza e povos e comunidades tradicionais que nelas habitam. A velocidade de expansão, a intensidade do uso do solo e a extensão das áreas ocupadas pela agricultura e a pecuária no bioma atualmente são muito preocupantes. A fragilização dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização, bem como o enfraquecimento de políticas públicas para o meio ambiente nos últimos anos, contribui para esse cenário que se anuncia cada vez mais catastrófico”, afirma a especialista.

E a “catástrofe” continua cada vez mais acelerada. Enquanto em fevereiro de 2024 houve redução de quase 30% no desmatamento da Amazônia, na comparação com o mesmo período de 2023, no Cerrado houve aumento de 18,5%, o que é bastante preocupante, segundo o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas do Inpe, Claudio Almeida.

Edição: Paulo Machado Portal de Notícias EducaçãoAmbiental

Saiba mais em:

https://www.icict.fiocruz.br/content/artigo-publicado-na-plos-climate-alerta-sobre-os-desafios-de-adaptacao-das-metropoles-do-sul

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-03/cerrado-tem-alta-de-19-de-alertas-de-desmatamento-em-fevereiro

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também

A insustentável existência do ser humano

Estamos nos aproximando de uma data muito importante – o Dia da Árvore (21 de Setembro). Apesar delas parecerem estar estáticas na natureza, na verdade elas estão realizando, o tempo todo, muitos movimentos imperceptíveis, que são fundamentais para nossa existência no planeta.

Leia mais »
A concretização da cultura da macaúba como uma nova cadeia produtiva do agronegócio brasileiro está em curso para atender a bioeconomia de baixo carbono, de inclusão social e de alta rentabilidade. Como uma única planta poderia atender a tantos objetivos? Essa é a pergunta que o estudo realizado pela Embrapa “A nova cadeia produtiva da macaúba para bioprodutos e descarbonização” tenta responder.

Macaúba versus Dendê e o risco de criar novos “desertos verdes” (*)

A concretização da cultura da macaúba como uma nova cadeia produtiva do agronegócio brasileiro está em curso para atender a bioeconomia de baixo carbono, de inclusão social e de alta rentabilidade. Como uma única planta poderia atender a tantos objetivos? Essa é a pergunta que o estudo realizado pela Embrapa “A nova cadeia produtiva da macaúba para bioprodutos e descarbonização” tenta responder.

Leia mais »
Como uma palmeira muito antiga na vida do brasileiro, que ocorre em praticamente todos os biomas, está se tornando objeto de estudos e pesquisas de muitos grupos de cientistas envolvendo instituições como a Embrapa, universidades brasileiras e empresas privadas, incluindo startups. Os públicos-alvo são principalmente investidores, empresas agrícolas, agricultores familiares e o público em geral.

Planta nativa, a Macaúba é redescoberta à luz da biotecnologia do século XXI

Como uma palmeira muito antiga na vida do brasileiro, que ocorre em praticamente todos os biomas, está se tornando objeto de estudos e pesquisas de muitos grupos de cientistas envolvendo instituições como a Embrapa, universidades brasileiras e empresas privadas, incluindo startups. Os públicos-alvo são principalmente investidores, empresas agrícolas, agricultores familiares e o público em geral.

Leia mais »
plugins premium WordPress