Bioinsumos podem substituir agrotóxicos: depende de vontade política

Cientistas relacionam "pela primeira vez" o herbicida Glifosato, que até mesmo num breve contato com um dos agrotóxicos mais usados no mundo, pode causar danos duradouros ao cérebro, inclusive Alzheimer.
Pulverização aérea de Glifosato

Cientistas relacionam “pela primeira vez” o herbicida Glifosato, que até mesmo num breve contato com um dos agrotóxicos mais usados no mundo, pode causar danos duradouros ao cérebro, inclusive Alzheimer.

Em um estudo publicado na quarta-feira (04/12) pela revista científica Neuroinflammation os cientistas Ramon Velazquez, da Universidade Estadual do Arizona (ASU), e seus colegas, incluindo os do Translational Genomics Research Institute (TGen, um instituto de pesquisa genômica sem fins lucrativos com sede em Phoenix, Arizona), nos EUA, “demonstraram que camundongos expostos ao herbicida glifosato desenvolvem uma inflamação cerebral significativa associada a doenças neurodegenerativas”.

Os cientistas identificaram uma associação entre a exposição dos ratos ao pesticida e os sintomas de neuroinflamação, assim como uma piora da patologia semelhante à doença de Alzheimer, morte prematura e comportamentos semelhantes à ansiedade.

A análise da presença do glifosato e do impacto dos derivados da substância no cérebro muito tempo após o término da exposição revelou “vários efeitos persistentes e prejudiciais à saúde do cérebro”.

Colheita de soja desfolhada com glifosato

Muitos estudos têm alertado sobre os males do agrotóxico à saúde humana e ao meio ambiente. Em um deles, realizado pelo professor e pesquisador Cesar Koppe Grisolia, do Departamento de Genética e Morfologia, da Universidade de Brasília (UnB), constata-se que podem causar mutações, câncer e complicações na reprodução humana.

Levantamentos apontam que o Brasil é campeão no uso de agrotóxicos – em 2021 superou 720 mil toneladas, mais do que a China e os Estados Unidos juntos. Isso é o que mostra um levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês).

Os 10 países maiores consumidores de agrotóxicos

Um dos principais agrotóxicos é o Glifosato, que contêm o herbicida 2,4-D, aplicado no combate a ervas daninhas e desfolhamento da soja para a colheita, cujo um dos componentes, é o chamado agente laranja, utilizado pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã.

Para Cesar Koppe Grisolia, depois de analisar diversos artigos e estudos científicos – com metodologias validadas por laboratórios reconhecidos internacionalmente, de instituições públicas independentes -, o pesquisador reuniu alguns deles em uma publicação de sua autoria, intitulada “Agrotóxicos, Mutações, Câncer & Reprodução”, em que faz uma série de apontamentos sobre estudos de casos já realizados sobre os efeitos do agrotóxico. Nos casos mais graves, agricultores de diversos países são diagnosticados câncer, sendo os mais comuns os de pulmão, estômago, melanomas, próstatas, cérebro, testículos, sarcomas, linfoma de Hodgkin, mieloma múltiplo e leucemias.

O Brasil consome 200 vezes mais glifosato do que a União Europeia(*)

As decisões políticas são tomadas de fora para dentro

As maiores empresas que atuam no ramo de alimentos – entre elas Syngenta, Bayer, Monsanto, Dow, Basf e Du Pont – controlam 60% do mercado de sementes e cerca de 70% do mercado de insumos, pesticidas e agrotóxicos. (**)

A compra recente da multinacional Monsanto, sediada nos Estados Unidos, pelo grupo alemão Bayer, concentra ainda mais esse mercado. Juntas, elas vão deter 34 das 75 variedades transgênicas registradas hoje no Brasil.

A Syngenta tem o controle sobre 14 variedades transgênicas, seguida pelas estadunidenses Dow e Du Pont, com 10 cada uma.

Os dados são da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável por avaliar e liberar o uso de transgênicos no Brasil – a maioria deles produzidos pelas mesmas empresas que fabricam agrotóxicos.

Insegurança alimentar

“A nossa cadeia alimentar está cada vez menos diversificada, com menos alimentos na mesa e mais alimentos processados. Isso tudo significa que a gente está ficando cada vez mais dependente do processamento de produtos de fora e estamos perdendo nossos insumos, nossas sementes, nosso material genético e nossa biodiversidade também”, avalia Naiara Bittencourt, da Articulação Nacional de Agroecologia e da organização Terra de Direitos.

Sementes crioulas versus sementes transgênicas

“Até essas questões que são consequências, por exemplo, os impactos na saúde, ao meio ambiente, aos direitos humanos em geral, também são o pano de fundo de uma estratégia maior, que é reposicionar e consolidar o Brasil em uma divisão internacional do trabalho, onde o país permanece nesse papel de exportador de commodities, grãos que não conformam a base alimentar da população brasileira”, analisa Bittencourt.

A configuração do agronegócio corporativo, baseada no monocultivo, no grande latifúndio e na produção de commodities para exportação, não permite ao Brasil ter soberania científica ou econômica e, principalmente, sobre a definição de seu modelo de produção agrícola. Essa dinâmica força o país à posição de “celeiro” subordinado às potências econômicas mundiais.

“Quando os ruralistas argumentam que quem defende o fim dos agrotóxicos vai causar fome e desabastecimento, na verdade quem coloca o Brasil nesse risco é justamente esse modelo do agronegócio defendido por eles. Se essas empresas por qualquer motivo geopolítico resolvem boicotar o Brasil, o país vai quebrar e ter um problema seríssimo justamente porque abdicou de ser soberano na sua produção de alimentos”, alerta Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Além disso, com grande volume de insumos externos, a produção local não é suficiente para impedir que os resultados financeiros da agricultura sejam escoados para fora, com pouco retorno para o Brasil.

O controle do setor na mão de poucas empresas concentra também definição do preço dos alimentos, ou seja, influi diretamente sobre o bolso da população.

Bioinsumos podem substituir os agrotóxicos 

Os bioinsumos são produtos ou substâncias de origem biológica utilizados na agricultura para promover o crescimento das plantas, melhorar a saúde do solo e controlar pragas e doenças de forma mais sustentável. Esses insumos são produzidos a partir de organismos vivos, como bactérias, fungos, algas, extratos vegetais, entre outros, e têm a finalidade de substituir ou complementar os materiais químicos tradicionalmente utilizados na agricultura.

O desenvolvimento, a produção e a aplicação de bioinsumos na produção agrícola têm se desenvolvido a passos largos nos anos mais recentes e se posicionam com a mais nova fronteira de desenvolvimento tecnológico na agricultura, abrindo enorme potencial para o aumento da produtividade dos cultivos, para a redução da dependência em relação a fertilizantes químicos e agrotóxicos e para a consolidação de práticas de manejo sustentáveis.

Aplicação manual de bio inseticida

Conforme dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em matéria divulgada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o registro de produtos biológicos, microbiológicos, semioquímicos, extratos vegetais, reguladores de crescimento ou para a agricultura orgânica tiveram um aumento de 750% entre 2011 e 2022, após o estabelecimento de procedimentos para registro de bioinsumos para a agricultura orgânica.

O MAPA estima que cerca de 40 milhões de hectares já são cultivados com bactérias promotoras de crescimento de plantas, além de 10 milhões de hectares onde são utilizados outros bioinsumos para controle de pragas. Além disso, o mercado produtor de bioinsumos no Brasil já registra faturamento anual na casa de R$ 1 bilhão (2020-2021), com expectativa de atingir a marca de R$ 17 bilhões até 2030, conforme estudo divulgado pela Croplife Brasil e pela S&P Global.

Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA)

Quem controla a produção de bioinsumos?

A Bayer e a FMC participam da Croplife Brasil, assim como a Syngenta, a Basf, e outras trinta empresas ligadas à produção e comercialização de produtos químicos e transgênicos para a agropecuária saíram na frente na produção dos bioinsumos no Brasil.

A Croplife Brasil e a Associação das Empresas de Biotecnologia na Agricultura e Agroindústria (AgroBio) fazem parte da organização estrangeira Croplife Internacional, uma organização conhecida mundialmente por fazer lobby para as grandes empresas do setor.

A prioridade da organização é “promover e apoiar as leis que, com critérios científicos, regulem os marcos legais que forneçam respeito pela propriedade intelectual, os quais devem ter relação com os acordos internacionais para a proteção das culturas, a biotecnologia, produtos biológicos e novas tecnologias”.

No Brasil, um Projeto de Lei da Senadora Janaína Farias (PT/CE), em tramitação no Senado Federal, visa a contribuir para a estruturação de um arcabouço normativo e de políticas públicas que promovam um ambiente institucional e regulatório favorável ao desenvolvimento, à produção e ao uso de bioinsumos, que tem por objetivo incluir o estímulo à adoção de bioinsumos na atividade agrícola entre os objetivos da política agrícola e da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.(***)

(*) Saiba mais em: https://www.brasildefato.com.br/especiais/agricultura-da-morte-veja-quanto-sua-comida-esta-contaminada-por-agrotoxicos

(**) Saiba mais em: https://www.brasildefato.com.br/2018/05/06/cartilha-ilustra-quem-e-como-se-lucra-com-o-mercado-dos-agrotoxicos/

(***) Projeto de Lei da Senadora Janaína Farias (PT/CE) : (PL 1.348/2024)

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