Macaúba versus Dendê e o risco de criar novos “desertos verdes” (*)

A concretização da cultura da macaúba como uma nova cadeia produtiva do agronegócio brasileiro está em curso para atender a bioeconomia de baixo carbono, de inclusão social e de alta rentabilidade. Como uma única planta poderia atender a tantos objetivos? Essa é a pergunta que o estudo realizado pela Embrapa “A nova cadeia produtiva da macaúba para bioprodutos e descarbonização” tenta responder.
Consórcio de macaúba e pecuária

A concretização da cultura da macaúba como uma nova cadeia produtiva do agronegócio brasileiro está em curso para atender a bioeconomia de baixo carbono, de inclusão social e de alta rentabilidade. Como uma única planta poderia atender a tantos objetivos? Essa é a pergunta que o estudo realizado pela Embrapa “A nova cadeia produtiva da macaúba para bioprodutos e descarbonização” tenta responder.           

Segundo os autores, “o estudo prospectivo visa contribuir com elementos para responder a essa questão e alimentar o debate na busca por soluções inteligentes para os desafios postos à humanidade”.

A macaúba é uma palmeira encontrada naturalmente no território brasileiro e em outros países da América tropical. A grande discussão mundial nos anos mais recentes tem sido sobre como não devastar o ambiente natural e ao mesmo tempo promover o desenvolvimento e a produção mais limpa. E é, acertadamente, neste cenário que a macaúba surge como uma ferramenta estratégica para compor as inúmeras ações que precisam ser realizadas para perenizar uma vida de qualidade em harmonia com os recursos naturais.

Essa palmeira produz óleos (tem óleo na polpa e na amêndoa), proteínas, energia, biocombustíveis, não tem nenhuma toxicidade, sendo alimento de alta qualidade para animais e humanos, se presta muito bem para ser cultivada em sistemas mais complexos onde se colocam lavouras, árvores e até animais no mesmo lugar, ajuda na recuperação de áreas degradadas, inclusive na restauração de nascentes, e dos resíduos da extração dos óleos pode-se fazer até produto para tratamento da água e da pele. O aproveitamento integral e de alto valor agregado da macaúba e seus coprodutos ainda está no nascedouro. Com criatividade, conhecimento e investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, certamente surgirão alternativas inovadoras.

Os óleos ainda são os produtos de maior destaque da macaúba, não só pela quantidade em que são produzidos, mas também por suas qualidades. A soja é a segunda principal fonte de óleo vegetal no mundo. Em primeiro lugar e bem à frente está uma palmeira originária do continente africano, que no Brasil é conhecida por palma de óleo, palma africana ou dendê (Elaeis guineenses). A palma de óleo fornece em torno de 45% do óleo vegetal que o planeta consome. A soja contribui com 28% do total produzido. A palma de óleo é a maior monocultura perene global, com cerca de 18 milhões de hectares plantados. Não é sem motivos que tem toda essa importância, afinal ela detém a mais alta produtividade em termos de massa de óleo produzida por área anualmente entre todas as fontes dessa commodity, produzindo de 3 a 5 t.ha por ano. A principal região produtora de palma de óleo são áreas de floresta tropical úmida, sobretudo nos países do sudoeste asiático (Indonésia, Malásia e Tailândia), (onde as florestas tropicais foram devastadas para dar lugar à monocultura (**)). No Brasil, apenas cerca de 500 mil ha são cultivados na região amazônica e no Recôncavo Baiano.

Óleo da Macaúba pesquisado nos laboratórios da Embrapa

No quesito de rendimento de óleo, há perspectivas muito promissoras para a macaúba, podendo até mesmo superar a produtividade da palma de óleo. Mas para isso será necessário, em um primeiro momento, implantar cultivos baseados em plantas selecionadas e, num futuro próximo, naquelas oriundas de programas de melhoramento genético. Além, é claro, de seguir as boas práticas agrícolas. As vantagens da macaúba não param por aí. No que diz respeito a terras aptas ao cultivo da macaúba, ela tem outra enorme vantagem territorial em relação à palma de óleo. Por necessitar de menos água do que a palma de óleo, a macaúba encontra condições aptas para seu cultivo em quase todo o território nacional, pois não necessita de tanta água quanto a palma de óleo.

Assim, de largada, a macaúba já ganha essa vantagem de não ser um produto restrito às florestas tropicais úmidas, ou seja, a região amazônica é uma opção e não uma obrigação para o plantio bem-sucedido da macaúba. Mas será que há espaço para a macaúba competir com a palma de óleo? Perguntam os pesquisadores da Embrapa Simone Palma Fávaro e José Dilcio Rocha.

Eles sugerem que talvez não seja competir, mas somar. As demandas crescentes por óleos vegetais, a fragilidade da dependência de poucas fontes e o imperativo de modelos produtivos baseados em agricultura regenerativa abrem muitas oportunidades para a macaúba. Uma das molas propulsoras que viabilizarão a domesticação plena da macaúba é o mercado de biocombustíveis, como o diesel verde, o combustível de aviação sustentável, bioquerosene de aviação (bioQAV) e também a produção de hidrogênio. Os segmentos de alimentos e produtos de beleza e higiene também absorvem cada dia mais óleos vegetais. As empresas que adquirem esses insumos atualmente não compram apenas o produto em si, mas sim todo um pacote que envolve a pegada de carbono e todas as conformidades ambientais e sociais associadas à sua produção e logística. A macaúba tem muito a contribuir para este formato de negócios que levará a agroindústria brasileira a um novo patamar de renda e sustentabilidade.

Os autores do estudo observam que: “Para se alcançar este status de cultura com expressividade na balança comercial brasileira, a macaúba ainda requer que alguns obstáculos sejam destravados. O principal é confirmar o sucesso dos empreendimentos que já se iniciaram em larga escala e, assim, abrir caminho para que mais empresários embarquem no negócio. Em paralelo, a exploração imediata e coordenada dos inúmeros maciços naturais, dispersos no País, disponibiliza frutos em quantidade para se iniciar o processo de industrialização e traz consigo a possibilidade de um extenso programa de inclusão de agricultores familiares, com destaque para a atuação das mulheres, que geralmente são as agentes do agroextrativismo. Outro ponto muito importante está relacionado à conservação da biodiversidade, já que os agroextrativistas são fundamentais na manutenção da paisagem natural, e, portanto, freiam em boa medida a erosão genética”.

“A descrição do estado da arte do desenvolvimento da nova cadeia produtiva da macaúba e o uso de ferramentas de espacialização que podem levar a macaúba do extrativismo puro à expansão para cultivos baseados em técnicas de alta produtividade são pontes para alavancar o desenvolvimento em larga escala. ”, ponderam os pesquisadores. O mercado potencial para o desenvolvimento do cultivo e da transformação do óleo da macaúba está associado primeiramente a empresas do setor de produção de óleos vegetais, que pretendem investir no processamento da macaúba e na comercialização dos seus produtos. Nesse segmento, as empresas podem se aproveitar de estudo prospectivo para auxiliar na construção de arranjos produtivos locais baseados na manutenção das áreas nativas, incorporação no sistema produtivo de famílias extrativistas e na agregação de valor aos coprodutos. Esses arranjos conferem aspectos de sustentabilidade ambiental, social e econômica, que são metas na busca do atendimento das demandas atuais para a comercialização de óleos vegetais e de outros bioprodutos. ”

Sustentabilidade ambiental, econômica e social

Continuando, o estudo ressalta: “Dentro desse novo negócio da macaúba há mais um conjunto de benefícios aos produtores, que não se pode negligenciar. Tratam-se dos chamados pagamentos de serviços ambientais (PSA), para os quais a remuneração está se tornando uma realidade importante para o produtor rural, independentemente do tamanho da propriedade. Esses serviços incluem recuperação de áreas degradadas, manutenção de florestas em pé e nascentes e sistemas agroflorestais com a produção de produtos não madeiráveis para áreas de proteção ambiental. A macaúba atende todos esses serviços.”

O papel do Setor Público

O setor público é outro agente de interesse na expansão da cultura da macaúba, para a qual uma série de políticas públicas já existentes podem ser aplicadas. Podem ser citados o programa de preço mínimo de produtos da sociobiodiversidade (PGPMbio); o Selo Combustível Social para a aquisição de matéria-prima da agricultura familiar para produção de biodiesel; e o RenovaBio que é um instrumento para assegurar a inserção de biocombustíveis na matriz energética brasileira em paralelo à descarbonização do setor. Na verdade, essas políticas já estão fortemente aderidas à inserção da macaúba na matriz do agronegócio brasileiro e são importantes referendos do Estado para valorizar esses nichos de produção e de mercado.

O conjunto de práticas com menor pegada ambiental e valorização de pequenos agricultores e extrativistas desperta o interesse de empresas ligadas ao comércio de serviços ambientais e de certificações de produtos, para o uso de geotecnologias no mapeamento de maciços de macaúba e identificação dos melhores locais para instalação de unidades fabris.

(*) DESERTOS VERDES São grandes áreas cobertas por vegetação introduzida artificialmente pelo homem, seja por reflorestamentos com espécies exóticas como: eucalipto ou pinus, seja por plantações em larga escala de uma única espécie como: soja, milho ou cana de açúcar,

Os impactos socioambientais devidos ao plantio em regime de monocultura extensiva dependem das condições ambientais anteriores ao plantio, da espécie de cultura a ser plantada e da extensão da área de cultivo. De modo geral, pode-se inferir os riscos de:

–  Desertificação das regiões plantadas: por serem árvores de crescimento rápido, há grande absorção de água, podendo levar ao secamento das nascentes e exaustão de mananciais de água subterrânea, afetando seriamente os recursos hídricos locais. Estudos apontam que no Espírito Santo 130 córregos secaram após a introdução da monocultura do eucalipto no estado, o que impacta nas comunidades que vivem nas regiões vizinhas.

–  Prejuízo aos solos: como toda monocultura, há exaustão dos solos, o que inviabiliza outras culturas. Além disto, o solo fica exposto durante anos após o plantio facilitando a erosão agravada pela compactação do subsolo devido a sucessivas aplicações de calcário para a correção de acidez.

 – Destruição da biodiversidade: a alteração do habitat de muitos animais faz com que nas regiões de monocultura só sobrevivam formigas e outros insetos predadores das monoculturas.

 – Concentração de terras: para produzir em grandes extensões, as terras são adquiridas aos agricultores, que se deslocam da região gerando um vazio populacional, associado ao êxodo rural.

 – Pouca geração de empregos: as monoculturas são altamente mecanizadas.

 – Desmatamento: quando se remove a cobertura nativa do bioma para o plantio em larga escala de uma só variedade, mesmo que seja nativa também.

– Uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos

(*) Nota da Edição do Portal de Notícias EducaçãoSustentável

Produtos à base de óleo de palma estão presentes em metade de todos os itens nas prateleiras dos supermercados, desde alimentos ultraprocessados como: sorvetes, biscoitos e achocolatados, até cosméticos como: batons, xampus e demais materiais de higiene e limpeza como: detergentes.

O Dendê de onde é extraído o óleo de palma

A cada ano, o mundo produz cerca de 70 milhões de toneladas de óleo de palma, vindas principalmente da Indonésia e da Malásia, onde a produção tem impulsionado o desmatamento. Segundo a organização sem fins lucrativos Inclusive Development Internacional,(IDI) o desmatamento é visível principalmente na Indonésia e Malásia assim como algumas áreas na África e na América do Sul ao longo do Equador e está relacionado às grandes marcas que utilizam esse óleo em larga escala em seus produtos como: Johnson & Johnson, L’Oréal, PepsiCo, Procter & Gamble, entre outros. .

Um estudo de 2019 apontou que o desmatamento por óleo de palma na Indonésia atingiu o auge em 2009, quando o produto foi responsável por quase 40% da perda de cobertura florestal do país. Em 2023 cerca de 74,1 mil acres de floresta tropical foram desmatados para dar lugar a plantações de óleo de palma, contra 54,4 mil acres em 2022.

Saiba mais sobre o Estudo da Embrapa em : https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1149154/a-nova-cadeia-produtiva-da-macauba-para-bioprodutos-e-descarbonizacao

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