Você se sente seguro quanto à qualidade dos alimentos que consome?

Na chamada “comida de verdade” (conceito no anexo 1) apesar de consumirmos alimentos ditos “saudáveis” estão presentes invisivelmente agrotóxicos, antibióticos e hormônios, muito acima dos índices recomendados. Nos alimentos industrializados, além dos agrotóxicos, consumimos corantes, conservantes, emulsificantes, estabilizantes, aromatizantes e outros compostos químicos que melhoram o sabor, a textura ou a durabilidade do produto, todos também invisíveis, apesar de declarados nos rótulos.
Tanto no caso dos agrotóxicos como no caso dos alimentos ultraprocessados as pesquisas científicas há anos correm atrás para identificar, dimensionar e comprovar os danos causados à saúde da população.
Um estudo publicado em 2022 no American Journal of Preventive Medicine, estimou a morte de 57 mil brasileiros por ano por doenças intimamente ligadas com o consumo de ultraprocessados. O número corresponde a 10,5% das mortes por todas as causas no país para pessoas entre 30 e 69 anos. No entanto os pesquisadores advertem que os números devem ser bem maiores se considerarmos todas as faixas etárias e todas as doenças associadas aos ultraprocessados: “Há 32 doenças catalogadas como decorrentes do consumo de ultraprocessados, mas neste estudo só foram consideradas três delas e suas complicações associadas — obesidade, diabetes e hipertensão,” observa Priscila Diniz, coordenadora técnica da ACT Promoção da Saúde, organização que atua na defesa de políticas de saúde pública. (*)
Mortos por agrotóxicos
Estimar o número exato de mortes anuais atribuídas aos agrotóxicos é desafiador devido à variabilidade de registros, subnotificação e diferenças nos métodos de cálculo entre países. No entanto, estudos e organizações internacionais fornecem dados relevantes sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam cerca de 200 mil mortes por ano no mundo, sendo a maior parte dessas mortes em países em desenvolvimento.

A maioria dessas mortes está relacionada à exposição aguda (como envenenamento intencional ou acidental).
Exposições crônicas (a longo prazo), associadas a doenças como câncer, problemas respiratórios e neurológicos, são mais difíceis de quantificar, mas acredita-se que tenham um impacto significativo.
No mundo 385 milhões de pessoas adoecem todos os anos por envenenamento causados por agrotóxicos. As Nações Unidas pretendem melhorar o manuseio mundial desses produtos para evitar danos, mas há pouca regulamentação legal efetiva. (1)

Os custos subestimados dos ultraprocessados à saúde pública
Um novo estudo calculou os custos relativos à mortes e doenças relacionadas ao consumo de biscoitos, salgadinhos, macarrão instantâneo, sorvete e companhia O aumento no consumo de produtos ultraprocessados está gerando um custo bilionário à economia brasileira. Mais especificamente, o Brasil perde R$ 10,4 bilhões todos os anos com mortes e doenças agravadas pela ingestão contínua de ultraprocessados.(*)

“A parte dos custos nos surpreendeu bastante porque estamos falando de apenas 20% das calorias vindo de ultraprocessados — o impacto que isso tem no aumento de fatores de risco é muito maior proporcionalmente falando, ” diz o biólogo Eduardo Nilson, autor do relatório e pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) e da Fiocruz Brasília.
A educação alimentar e nutricional (EAN) engorda nas prateleiras da burocracia governamental
Um estudo de pesquisadores do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin) da Fiocruz Brasília, divulgado durante o Congresso Internacional sobre Obesidade, em junho de 2024, estima um salto no índice de sobrepeso e obesidade entre adultos brasileiros, de 56% em 2023 para 75% em 2044. Em outras palavras, três quartos da população estará acima do peso em 20 anos. A dieta rica em açúcares, gorduras e carboidratos, presentes em grandes quantidades nos ultraprocessados, é a principal responsável pelo aumento da obesidade.
O estudo da Fiocruz estima que teremos 10,9 milhões de novos casos de doenças crônicas e 1,2 milhão de mortes atribuíveis ao sobrepeso e à obesidade até 2044.

Existe um Guia para a alimentação saudável, mas poucos sabem disso
Há dez anos o governo federal editou a última versão do atual Guia Alimentar para a População Brasileira (2), só que ele ainda é ignorado no currículo das escolas públicas.
Neste período, foram lançados 12 editais do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), da educação infantil ao ensino médio. Em nenhum deles foram incluídos materiais didáticos para a Educação Alimentar e Nutricional (EAN), que promovessem os conceitos do Guia e facilitassem a formação de educadores.
Aliada ao Guia, a educação alimentar pode ser um dos caminhos de contenção dos ultraprocessados nas dietas infantis. Ainda mais diante do aumento no consumo desses produtos, que já representam quase 25% das calorias consumidas por crianças brasileiras de até cinco anos, segundo relatório do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) divulgado em setembro último.
A Educação Alimentar e Nutricional (EAN) segue, então, sem uma integração efetiva aos currículos escolares e às atividades pedagógicas.
Tampouco há uma conexão clara entre o que se vê nas escolas e o que poderia ser apresentado à população adulta, que já não frequenta as salas de aula, mas que poderia ser introduzida à educação alimentar em Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Em 2012, o Marco de EAN, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), estabeleceu a educação alimentar e nutricional como um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional.
No papel, o objetivo foi promover o acesso a conhecimento alimentar que gerasse escolhas e hábitos alimentares saudáveis na população. “O Marco de EAN traz muito a importância de metodologias ativas para trabalhar esse tema e a importância dos saberes coletivos. E de olharmos para a EAN não como uma propriedade do nutricionista, mas que todo ator social se entenda como alguém que se alimenta, que tem conhecimento sobre alimentação adequada e saudável e que é capaz de contribuir para esse debate”, diz Giorgia Russo, integrante do Comitê Consultivo do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e consultora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).(**)
Sistema de classificação dos alimentos
O termo “alimentos ultraprocessados” foi criado em 2010, pelo professor Carlos Monteiro que também desenvolveu, juntamente com outros cientistas da Universidade de São Paulo (USP), o sistema de classificação Nova (em anexo 2), que abrange desde “alimentos integrais” (como legumes e vegetais) em uma extremidade do espectro, passando por “ingredientes culinários processados” (como manteiga), depois “alimentos processados” (coisas como atum em lata e nozes salgadas) até ultraprocessados.
O sistema foi desenvolvido após a obesidade no Brasil continuar a aumentar apesar de o consumo de açúcar cair, e Monteiro perguntou-se o porquê. Ele acredita que nossa saúde é influenciada não apenas pelo conteúdo nutricional dos alimentos que comemos, mas também pelos processos industriais usados para fazê-los e preservá-los.
Ele diz que não esperava a enorme atenção atual sobre os ultraprocessados, mas afirma que “eles estão contribuindo para uma mudança de paradigma na ciência da nutrição”. (***)
Leia também:
Alimentos ultraprocessados são pré-mastigados pela indústria alimentar
(**) Fonte: https://ojoioeotrigo.com.br/2024/10/guia-completa-dez-anos-mas-educacao-alimentar-nao-e-realidade-no-brasil/
(***) Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cglk55eg70mo
Saiba mais em: Atlas dos Agrotóxicos 2023


Acesse o Guia Alimentar para a População Brasileira em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
Anexo 1: Conceito de “comida de verdade”
A expressão “comida de verdade” refere-se a alimentos naturais ou minimamente processados que preservam suas características originais e são ricos em nutrientes.
- Incluem frutas, verduras, legumes, grãos integrais, carnes frescas, ovos, leite e oleaginosas.
- São alimentos obtidos diretamente de plantas ou animais, com mínimas intervenções industriais (como limpeza, refrigeração ou moagem).
– Ausência de aditivos químicos:
- Não contêm conservantes, corantes, estabilizantes ou outros compostos artificiais.
– Base da alimentação saudável:
- São a principal recomendação de guias alimentares, como o Guia Alimentar para a População Brasileira.
Anexo 2: Classificação Nova
Os 4 grupos da classificação NOVA:
- Alimentos in natura ou minimamente processados:
- Descrição: São alimentos obtidos diretamente da natureza (frutas, vegetais, grãos, carnes, ovos, leite) ou que passam por processos simples (limpeza, remoção de partes não comestíveis, pasteurização, congelamento, etc.).
- Exemplos: Frutas, legumes, arroz, feijão, carne fresca, leite, ovos.
- Ingredientes culinários processados:
- Descrição: Substâncias extraídas diretamente de alimentos in natura ou da natureza, usadas para temperar, cozinhar ou preparar refeições. São geralmente utilizados em pequenas quantidades.
- Exemplos: Óleo vegetal, manteiga, sal, açúcar.
- Alimentos processados:
- Descrição: Alimentos que passam por processamento simples, como adição de sal, açúcar ou óleo, para aumentar a durabilidade ou melhorar o sabor. Geralmente têm poucos ingredientes adicionais.
- Exemplos: Conservas de legumes, frutas em calda, queijos, pães feitos com poucos ingredientes.
- Alimentos ultraprocessados:
- Descrição: Produtos industrializados que passam por múltiplos processos e contêm ingredientes artificiais (aditivos, corantes, aromatizantes). Geralmente são formulados para serem convenientes e atraentes, mas têm baixo valor nutricional.
- Exemplos: Refrigerantes, biscoitos recheados, salgadinhos, macarrão instantâneo, embutidos (salsichas, nuggets).
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