Poderíamos ser mais felizes, mas não sabíamos

Vanuatu: uma das nações mais felizes do mundo (imagem BBC)

A lição vem de Vanuatu, país situado no Anel de Fogo do Pacífico, é altamente vulnerável a desastres naturais como terremotos, erupções vulcânicas, ciclones e furacões. Não bastasse isso, nos últimos anos, suas ilhas foram ameaçadas pelo aumento do nível do mar e pelas mudanças climáticas.

O fato é que o arquipélago é considerado o país com maior risco de sofrer desastres naturais no mundo, de acordo com o World Risk Report 2018 (Relatório de Risco Mundial 2018, em tradução livre).

O país mais vulnerável a desastres naturais do mundo fica no meio do Oceano Pacífico – e ao contrário do que possamos imaginar, é também um dos lugares mais felizes do planeta.

Vanuatu, um país em forma de estilingue formado por mais de 80 ilhas, a quase 2.000 km a leste da Austrália, está entre as quatro nações mais felizes do mundo – sendo a mais feliz fora das Américas –, de acordo com o Happy Planet Index (HPI).

O ranking, publicado pela New Economics Foundation, leva em consideração o bem-estar, a expectativa de vida e os níveis de desigualdade de um país, além de seu impacto no meio ambiente.

A receita para a “felicidade”

Desde sua independência do domínio anglo-francês em 1980, todas as terras em Vanuatu pertencem ao povo nativo do arquipélago — chamado Ni Vanuatu — e não podem ser vendidas a estrangeiros.

Uma pesquisa de 2011 realizada pelo Escritório Nacional de Estatística de Vanuatu (VNSO, na sigla em inglês) indicava que as pessoas com acesso à terra são, em média, mais felizes do que aquelas sem.

Hoje, cerca de 75% dos 298 mil habitantes do país vivem em zonas rurais, e mais de 90% dos ilhéus têm acesso a terras onde podem viver e cultivar seus alimentos.

Kalulu Taripoawia, líder de uma das comunidades locais, conta que a tradição prevê que a população trabalhe nos campos desde pequena. “Isso nos permite comer. E somos felizes quando estamos cultivando nossa própria terra”, diz.

A mesma pesquisa constatou que mercadorias como porcos, inhame e kava (tipo de planta nativa do Pacífico Sul indicada para aliviar o estresse e combater a ansiedade) são facilmente acessíveis na base do escambo em Vanuatu. “Nós não dependemos muito do dinheiro. Em outros países, a maioria depende de dinheiro. E quando o dinheiro acaba, as pessoas ficam aflitas”, analisa Sero Kuatonga, um dos artistas de Vanuatu.

Outra fonte de felicidade é a forte conexão dos ilhéus com as tradições e a paisagem diversificada do arquipélago, repleta de montanhas rochosas e recifes de coral.

Vanuatu significa “nossa terra para sempre” em muitas das 139 línguas nativas faladas pelo povo local – o que faz do país uma das nações mais ricas do ponto de vista linguístico do mundo. “Vanuatu ainda mantém suas línguas e todas as suas tradições. Seu idioma e sua cultura estão relacionados. Por meio da língua, eles ensinam sobre a vida nas aldeias”, diz Kuatonga.

“É por isso que as pessoas em Vanuatu são felizes, não porque têm uma casa bonita.”

As línguas nativas são o principal idioma falado por 92% do povo – e a grande maioria da população tem uma compreensão forte ou moderada dos ciclos de plantio, da história de seus ancestrais e da importância da flora e fauna locais.

Arquipelago com mais de 80 ilhas
Arquipélago com mais de 80 ilhas (imagem BBC)

Em 2015, o ciclone Pam devastou as ilhas arquipélago, deixando mais de 20 mortos e 75 mil pessoas desabrigadas. Mas, apesar de toda a destruição, os moradores começaram rapidamente a reconstruir as aldeias, demonstrando sua forte resiliência.

“Nós sobrevivemos ao ciclone Pam, de categoria 5. Temos vulcões ativos, ciclones, terremotos… Mas seguimos em frente, continuamos vivendo, é assim que nós somos. É assim que vivemos!”, resume Dorothy Hamish, da comunidade Tanoliu.

Vanuatu significa “nossa terra para sempre”. “A felicidade é apenas uma consequência de quão respeitosos somos com a natureza, em como gerenciamos a terra, em como gerenciamos a água”, afirma Marcel Merthelorong, romancista local.

Mais de 90% dos ilhéus tem acesso à terra (imagem BBC)

Do outro lado do mesmo planeta

O Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados de área, recursos hídricos abundantes, solos férteis, estar livre de desastres naturais extremos e apesar de haver consagrado em nossa Constituição de 1988: “o dever de todos para garantir o meio ambiente equilibrado para as atuais e futuras gerações.”, tem o menor Índice de Felicidade (Happy Planet Index – HPI) do mundo, numa escala de 0 a 100. Seu valor calculado foi de 36,4, que veio de uma pontuação de bem-estar menor que 3,25, apesar da boa pegada ecológica do país 1,82 e expectativa de vida 69,7 anos.

Apesar do nome, o Happy Planet Index não leva em conta a felicidade emocional em seu cálculo. Ele usa bem-estar, expectativa de vida e pegada ecológica para calcular o HPI. Valores mais altos de HPI indicam que um país usa efetivamente os recursos ambientais que eles têm sem estresse indevido no planeta, garantindo que os cidadãos tenham vidas longas e satisfatórias.

O valor do bem-estar vem de relatos de cidadãos sobre sua satisfação com a vida usando uma escala de um a dez. Pontuações mais altas se relacionam com pessoas que se sentem mais felizes em viver em seus países de origem.

A expectativa de vida indica quanto tempo os cidadãos de um país vivem. Os países que têm cidadãos com vidas mais longas provavelmente lhes fornecem cuidados de saúde adequados, nutrição e recursos para atingir a idade avançada.

Pegada ecológica examina a quantidade de terra necessária para fornecer os recursos necessários para atender ao consumo de uma nação. Altas pegadas ecológicas significam que esses países usam excessivamente seus recursos naturais para atender à demanda. Essas nações podem precisar recorrer a outros países para obter os recursos naturais de que precisam. Exigir recursos além das fronteiras de uma nação mostra um uso ineficiente da terra e possíveis danos ao planeta.

O HPI mostra que os países não precisam consumir demais, prejudicar os ambientes de outros países para obter recursos ou prejudicar o meio ambiente local para proteger os meios de subsistência das pessoas que vivem neles.

 “Para pensar de forma ancestral e honrar suas vítimas, o Brasil terá que alinhar-se à pequena Vanuatu e suas propostas humanitárias, abandonando nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador.”, afirma o ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

Para Carlos Bocuhy a Conferência Climática COP29 que ocorrerá no Azerbaijão em novembro deste ano,  “Discutirá, de forma prioritária, o financiamento climático. O Brasil chegará à conferência de Baku levando na bagagem os desastres de Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e do Rio Grande do Sul, da biodiversidade do Pantanal, seca na Amazônia, fragilização dos Rios Voadores e episódios de calor extremo, entre tantos outros impactos.       

O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis.”, conclui o ambientalista.

Soluções para resgatar um pouco da “felicidade” brasileira

Sistemas Agroflorestais com integração lavoura, pecuária e floresta

A sociobioeconomia, com o uso das florestas em pé, pode ser mais lucrativa do que as economias convencionais que contribuem para o desmatamento na Amazônia. Segundo afirma o climatologista Carlos Nobre, do INPE, “as pastagens requerem de 1 a 2 trabalhadores por 100 hectares e geram lucro de US$ 50 a US$ 100 por hectare ao ano. O cultivo da soja requer até 1 trabalhador por 100 hectares e tem um lucro de US$ 100 a US$ 300 por hectare ao ano. Por outro lado, a gestão de sistemas agroflorestais e a colheita de muitas dezenas de produtos florestais não-madeireiros requerem de 20 a 40 trabalhadores por 100 hectares e têm lucro de US$ 300 a US$ 700 por hectare por ano…”

Fontes:

Saiba mais em: https://oeco.org.br/colunas/pensando-como-ancestrais-para-salvar-o-planeta/

Sobre Vanuatu em: Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

Sobre o Índice da Felicidade (em inglês):  https://worldpopulationreview.com/country-rankings/happy-planet-index-by-country

Sobre a Sociobioeconomia em: http://www.proam.org.br/acontecimento.asp?ID=235

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