Restauração versus devastação: um passo à frente e dois atrás?

Amazônia na encruzilhada: devastação, regeneração ou preservação (Img: BrasilAmazônia)

Enquanto, em evento paralelo ao G20, realizado no Rio de Janeiro, no mês de julho, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES) lançava o projeto “Arco da Restauração”, visando reflorestar uma área de 24 milhões de hectares de florestas em 30 anos (*), apenas no período de oito meses, de janeiro a agosto de 2024, os incêndios consumiram 12 milhões de hectares no país (**).

Segundo Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES, serão necessários cerca de 204 bilhões de reais para o projeto. O trabalho seria dividido em duas fases: a primeira, que vai até 2030, envolve a restauração de áreas prioritárias, cerca de 6 milhões de hectares. Essa etapa necessitaria de investimento de 51 bilhões de reais. A segunda fase vai de 2030 a 2050, com mais 18 milhões de hectares restaurados, e a utilização de mais 153 bilhões de reais.

A relação entre as queimadas e o desmatamento

De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma organização científica não-governamental, existe uma relação direta entre queimadas e desmatamento.

Os registros são maiores nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima. Os dados apontam que os dez municípios que tiveram mais focos de incêndios florestais em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento.

Segundo o chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas da Nasa, Douglas Morton, as queimadas na Amazônia ocorrem principalmente em decorrência do desmatamento da floresta: “os incêndios ocorrem em troncos de árvores expostos ao sol após as derrubadas”.

Fogo na Amazônia e desmatamento andam juntos (IMG Observatório do Clima)

O fogo é parte da estratégia de “limpeza” do solo que foi desmatado para posteriormente ser usado na pecuária ou no plantio. É o chamado “ciclo de desmatamento da Amazônia”, também empregado no Cerrado e mais recentemente, no Pantanal.

“Basicamente sempre quando se desmata, tem queimada. Essa é uma maneira viável de se livrar de todo o mato. A queimada também ajuda a preparar o solo para a plantação. Serve para diminuir a acidez do solo, um problema na Amazônia, e deposita nutrientes”, afirma Philip Fearnside, biólogo e cientista norte-americano.

O “ciclo de desmatamento” tem como base a tentativa de ocupação desregrada de terras da União, inclusive em áreas protegidas: “Ocupa-se a área pública, e é feito o desmatamento como forma para valorizar a terra e vender”, explicou Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima e coordenador-geral do MapBiomas.

Focos de incêndio em setembro de 2004 (MapBiomas)

Após o fogo, o pasto costuma ser o primeiro passo na consolidação da tomada da terra. Nos casos em que a ocupação não é contestada e a terra é de qualidade, o próximo passo é a exploração pela agricultura.

O caminho das terras na Amazônia

Arco do desmatamento anda a passos largos

O termo conhecido como arco do desmatamento compreende a região onde encontram-se os maiores índices de desmatamento da Amazônia. É um território que vai do oeste do Maranhão e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. As rodovias Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho iniciaram o desenho desse arco, e atualmente corresponde ao território de 256 municípios que concentram aproximadamente 75% do desmatamento da Amazônia.

Um estudo elaborado em 2019 pelo Instituto Sócio Ambiental (ISA) com os dados oficiais do PRODES/INPE mais recentes, mostrava à época que novos municípios despontavam na lista dos que mais desmatavam no arco do desmatamento e pressionavam uma nova fronteira do desmatamento. O destaque eram as rodovias BR-163, BR-319 e BR-364 no estado do Acre, as quais, como flechas, irradiavam a devastação para o interior da floresta amazônica. (***)

As rodovias como principais vetores de expansão do desmatamento

Arco da restauração anda a passos lentos

O Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, conhecido como Planaveg, define diretrizes para acelerar e dar escala a restauração no Brasil.

Lançado em 2017, o Plano passou 7 anos nas gavetas do Governo Federal, apesar de fazer parte de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, foi inviabilizado por governos negacionistas.

Finalmente retomado este ano sob novas bases, um dos aspectos mais importantes do novo Planaveg é a reafirmação, pelo Estado brasileiro, de que a restauração de pelo menos 12 milhões de hectares de florestas permanece como uma prioridade.  

Além da meta em si, o Planaveg 2.0 (****) apresenta importantes avanços para ampliar a escala da restauração no Brasil, como uma estrutura de governança aprimorada e previsão de instrumentos financeiros e sistemas de monitoramento inovadores que viabilizam a implementação da recuperação da vegetação nativa. 

Além disso, ele posiciona a restauração de paisagens e florestas como uma agenda socioeconômica do país, utilizando as medidas de recuperação como um instrumento para reduzir desigualdades sociais e combater a insegurança alimentar. Dessa forma, a restauração é integrada como um elemento essencial nas estratégias de transição justa para um novo modelo de desenvolvimento, segundo afirma o Govêrno.  

Planaveg promete reduzir as desigualdades sociais e combater a insegurança alimentar ( imagem WRI Brasil)

Para estruturar a cadeia da restauração, o Planaveg 2.0 apresenta três pilares essenciais para a restauração florestal brasileira:  

Governança e arranjos de implementação: diretrizes para fortalecer a articulação entre diferentes níveis de governo, setor privado e sociedade civil para garantir a coordenação eficiente das ações de restauração;  

Mecanismos financeiros e investimentos: mobilização de recursos e criação de mecanismos financeiros que incentivem atores locais e investidores a prática de recuperação ambiental. Reforço ou criação de instrumentos inovadores para atrair investimentos e promover o acesso que viabilize a restauração em larga escala;  

Monitoramento e inteligência territorial: caminhos para expandir e otimizar o monitoramento da restauração, com o apoio de tecnologias de sensoriamento remoto e conexão com plataformas já existentes.  

Esses pilares foram construídos a partir da participação e colaboração entre os setores privado, público, sociedade civil e academia no processo liderado pelo Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). 

Uma novidade muito importante desta nova versão do Planaveg é o reconhecimento dos movimentos de restauração por bioma nesse processo. Todos os biomas terrestres brasileiros têm um movimento de restauração de ecossistemas: Aliança pela Restauração da Amazônia, Araticum – Articulação pela Restauração do Cerrado, Recaa – Rede para Restauração da Caatinga, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Pacto pela Restauração do Pantanal e a RedeSul de Restauração Ecológica. Esses movimentos participaram do desenvolvimento do Planaveg e têm um papel importante na execução do plano.

Planaveg: o Brasil quer restaurar 12 milhões de hectares

O que é restauração segundo o Planaveg 2.0 

O Planaveg 2.0 traz um avanço importante ao propor arranjos de restauração viáveis e eficazes para a implementação em larga escala. 

Para isso, foram definidos critérios baseados em potencial de ganho de escala, oportunidades de financiamento, adequação legal e práticas já em andamento. Assim, o plano apresenta quatro principais arranjos que contemplam esses critérios e visam maximizar os impactos da restauração no país: 

Restauração com foco na regularização ambiental: a recuperação de áreas degradadas ou desmatadas que, pela lei, devem ser protegidas, como as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Reserva Legal (RL); 

Recuperação produtiva associada a economia florestal: recuperação da vegetação nativa em modelos com fins econômicos, como as agroflorestas, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) ou a silvicultura de nativas

Recuperação de áreas públicas: a restauração ecológica em áreas públicas, como Unidades de Conservação (TI) ou Terras Indígenas (TI); 

Recuperação compulsória: a restauração determinada por atos de infração, termos de ajustamento de conduta (TACs) ou determinadas em processos de licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura.  

Além do Código Florestal e de compromissos internacionais brasileiros, o Planaveg se alinha à recuperação de áreas degradada em Terras Indígenas, Unidades de Conservação, ou derivadas de processos de Licenciamento Ambiental e crimes ambientais, possibilitando ao país maior implantação da Política Nacional do Meio Ambiente e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, ampliando a regularidade ambiental e gerando maior segurança jurídica. 

Planejando a restauração com Participação Social 

O novo Planaveg foi desenvolvido para responder às limitações anteriores, integrando a participação ativa da sociedade civil, comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultura familiar em um processo de construção de nove meses. A reativação da Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg) também foi fundamental, garantindo representatividade dos coletivos de restauração dos seis biomas brasileiros e alinhando o Planaveg com os planos e políticas estaduais de restauração, como a PRVN, do estado do Pará

Planaveg prevê ampla participação das comunidades tradicionais e povos originários

A restauração de paisagens e florestas, nesse contexto, é um meio para gerar benefícios amplos para a sociedade, incluindo a melhoria da qualidade da água, a regulação climática, a proteção da biodiversidade e a segurança alimentar. Com suas ações bem definidas e planejadas, o Planaveg pode funcionar como um grande aglutinador de políticas, direcionando o país rumo a uma transição justa que proteja e restaure seus ecossistemas.  

Assim, o Planaveg 2.0 representa não apenas um marco na restauração, mas também uma oportunidade de transformar os compromissos do Brasil em ações concretas, integradas e duradouras. Com o alinhamento de políticas públicas, o fortalecimento do engajamento social e o respeito às especificidades dos biomas brasileiros, o novo plano tem potencial de gerar benefícios ambientais, sociais e econômicos de longo prazo. 

(*) Fonte: https://www.g20.org/pt-br/noticias/do-arco-do-desmatamento-ao-arco-da-restauracao

(**)  Fonte: https://projetocolabora.com.br/ods13/fogo-na-amazonia-dispara-em-florestas-publicas-e-avanca-em-terras-indigenas-e-areas-privadas/

(***) Fonte: https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/novo-arco-do-desmatamento-fronteira-de-destruicao-avanca-em-2019-na-amazonia

(****) Fonte: https://www.wribrasil.org.br/noticias/planaveg-20-brasil-reafirma-meta-de-12-mi-de-hectares-com-novo-plano-de-restauracao

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