Solução para acabar com os crimes ambientais está na Constituição

Queimadas no Pantanal (imagem Agência Brasil EBC)

Nossa Constituição definiu por meio do artigo 186 a função social da terra ao afirmar que ela é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente a alguns requisitos, como a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente e a observância da legislação trabalhista. Com isso ela delegou a seu guardião maior, o Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade por zelar pela sustentabilidade de nossos biomas.  

Há anos assistimos práticas ilegais de desmatamento, queimadas criminosas e violações de direitos trabalhistas em propriedades rurais que estão destruindo nossos Biomas e desafiando nossa Constituição. Até quando?

Em uma discussão de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 2007, o relator, Ministro Edson Fachin, lembrou a seus pares que “o artigo 184 da Constituição Federal autoriza a desapropriação por interesse social do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social” e explicou que “é o uso socialmente adequado que legitima a propriedade da terra. ”

Então vejamos a lógica perversa de como são tratadas as terras em nossos Biomas nos últimos anos:

Segundo a Organização ClimaInfo as “QUEIMADAS EXPLODEM NA AMAZÔNIA E O PIOR AINDA ESTÁ POR VIR”

“A temporada de queimadas, que teve início em junho e vai até novembro, já chegou com tudo na Amazônia brasileira. O primeiro mês registrou o maior número de focos de incêndio desde 2007. Foram 2.911 focos de incêndio somente na região Norte.

DESMATAMENTO E QUEIMADAS: DOIS LADOS DA MESMA MOEDA

As queimadas estão intimamente relacionadas ao desmatamento ocorrido anteriormente, uma vez que, após a derrubada da floresta e a retirada de árvores com valor comercial, o que resta da vegetação destruída é deixado no solo para secar. A última etapa, realizada por quem literalmente “risca o fósforo”, envolve queimar essa matéria orgânica e “limpar” terrenos para lavouras e pastagens.

Quando o desmatamento é alto em um ano, o fogo vai correr solto no ano seguinte. E os dados apontam que, em 2022, o desmatamento ganhou escala industrial, com o aumento do uso de equipamentos, tratores e correntões (correntes de aço e ferro que, atadas em dois tratores, avançam sobre a mata nativa e vão derrubando árvores centenárias e tudo o que estiver pela frente).

A área total desmatada em 2022, no Brasil, foi de 2.057.251 hectares, 22,3% maior do que a registrada no ano anterior. Isso equivale, em área, a quase o tamanho do estado do Sergipe. 90% dessa devastação concentrou-se nos biomas Amazônia e Cerrado.”

O desmatamento cresceu em cinco dos seis biomas brasileiros em 2022, na comparação com 2021, exceto na Mata Atlântica.

Os maiores aumentos ocorreram na Amazônia (incremento de 190.433 ha) e no Cerrado (156.871 ha). 90.1 % da área desmatada em 2022 , segundo o Relatório Anual de Desmatamento do Brasil 2022.

Entre 1985 e 2022, 185.7  milhões de há foi a área devastada pelo fogo no Brasil – média de 16 milhões de hectares ao ano. A área total queimada equivale à soma dos territórios da Colômbia e do Chile, segundo o MapBiomas Fogo.

À luz da Constituição, não cabe perguntarmos ao STF qual a função social cumprida por estes 185 milhões de hectares incinerados, nos últimos 37 anos?

No ano de 2022 temos a impressão digital da agropecuária. De acordo com o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD2022), produzido pelo Mapbiomas, desmatamentos maiores se tornaram mais frequentes no ano passado. “A pressão agropecuária respondeu por 1.969.095 hectares de área desmatada, ou 95,7% do total de supressão de vegetação nativa.”

Recentes estudos publicados pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), estimam que a pecuária na Amazônia pode ser responsável por mais 3 milhões de hectares de desmatamento até 2025.

Pecuária pode desmatar mais 3 milhões de hectares até 2025 (Imagem Imazom)

Ano após ano, o desmatamento sucedido por incêndios criminosos vão devastando nossos Biomas, à revelia do que afirma nossa Constituição. A sociedade assiste um rastro de destruição que alimenta e agrava a crise climática cujos efeitos são vividos por todos, principalmente pela imensa maioria dos menos favorecidos: são eles que pagam a maior parte dessa conta.

 No Pantanal as queimadas já atingiram mais de 600 mil hectares – a área queimada em 2024 até agora, já é 143% maior do que o registrado em 2020, quando um terço do bioma foi devastado. Incêndios devem ultrapassar 2 milhões de hectares este ano, segundo análise realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com base em dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais.

Em seu relatório a UFRJ destaca: “os incêndios no Pantanal foram provocados pela ação humana sobre o bioma. ” E a ministra Marina Silva também alertou para o problema: “O que nós temos é um esgarçamento de um problema climático que vocês viram acontecer com chuvas no Rio Grande do Sul. Nós sabíamos que iria acontecer com seca envolvendo a Amazônia e o Pantanal. Nesse período, não há incêndio por raio. O que está acontecendo é por ação humana”, lamentou.

Agora só falta saber quem são esses “humanos”, proprietários legais e/ou ilegais de terras cuja propriedade vem sendo deslegitimada pela utilização inadequada dos recursos naturais disponíveis e a degradação do meio ambiente de, pelo menos, 2 milhões a hectares. A Policia Federal já entrou no circuito e talvez consiga identificar uma minoria deles, na melhor das hipóteses. Contra eles, e o STF pode aplicar o preceito Constitucional: “a desapropriação por interesse social do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”.

Para as terras, eventualmente desapropriadas, há inúmeras soluções (*) para que cumpram efetivamente sua função social. Uma delas é serem transformadas em Unidades de Conservação a serviço do clima, da natureza e da biodiversidade. Ou seja, estarão cumprindo efetivamente sua função social conforme previsto em nossa Constituição desde 1988.

Com informações de: https://climainfo.org.br/quem-somos/

https://imazon.org.br

(*) Leia também: Áreas críticas desprotegidas de Conservação podem salvar a biodiversidade da Terra

Como as reservas naturais podem conservar a biodiversidade sem prejudicar o crescimento econômico local

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