Há cinco séculos eram milhões de paus-brasil na Mata Atlântica em diferentes estágios de desenvolvimento, intocados e respeitados pelos povos originários, seres da natureza como eles próprios.
A velha senhora exibe um tronco de 7,13 m de diâmetro e é considerada pelos pesquisadores a Árvore Rei, a maior e mais antiga árvore de pau-brasil do país. Em 2020, um dos moradores encontrou o pé-ancião. O achado foi confirmado pelo botânico Ricardo Cardim e pelo empresário Alex Vicintin, que pesquisam remanescentes da Mata Atlântica. “A gente sabe que essa árvore já estava aqui antes de Cabral! ”, afirmaram. Ela e suas 800 irmãs habitam uma reserva no extremo sul da Bahia, no município de Itamaraju, próximo à BR-101.
Desde 7 de março de 2009 as famílias assentadas no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Pau Brasil do MST, receberam a emissão de posse do território, e assumiram um compromisso: viver em harmonia com a Mata Atlântica, preservando a sua biodiversidade.
Através desse compromisso com a terra, a água e a vida, os trabalhadores sem-terra deixaram de ser apenas agricultores para também tornarem-se guardiões da floresta onde vivem. O bioma da Mata Atlântica abrange 17 territórios regionais e hoje restam apenas 12% da floresta que existia originalmente. Também foram reconhecidas outras espécies centenárias e nativas do território do Assentamento, como pequi, jacarandá, sapucaia e oiti, conforme levantamento realizado em 2010.
Por se localizar dentro de uma área de preservação de floresta nativa de Mata Atlântica, o território é, oficialmente, um Projeto de Assentamento Sustentável (PDS). Nesse formato, há o compromisso das pessoas em preservar as riquezas vegetais e vitais da área de preservação. As famílias organizam-se economicamente por meio de atividades agroecológicas, como produção de alimentos nos quintais produtivos, venda de cacau cabruca(*) e coleta de sementes.
O grupo de coletores de sementes do assentamento conta com a contribuição do Programa Arboretum, com objetivo de formação dos agricultores para identificação, manejo, coleta e distribuição das sementes.
Para além dos companheiros do Pau Brasil, o Movimento Sem Terra na Bahia também firmou um compromisso: plantar mais de 1 milhão de árvores nos próximos 10 anos. Esse compromisso faz parte da campanha nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, com a proposta de que famílias acampadas e assentadas plantem 100 milhões de árvores em todo Brasil nos próximos 10 anos. No extremo sul da Bahia, o MST plantou, somente em 2020, mais de 200 mil mudas de árvores nativas e frutíferas.
Poucas árvores são tão emblemáticas para um país como o pau-brasil. Além da relação mais óbvia de dar nome a quem somos, a cobiça por essa madeira determinou parte da nossa história enquanto nação. Considerado o primeiro tesouro florestal do Brasil, a corrida pela árvore, da qual se extraía um pigmento vermelho para tingir tecidos, foi um dos motores para a destruição da Mata Atlântica. Após cinco séculos de intensa exploração, sobraram poucas testemunhas desta espécie, classificada atualmente como em perigo de extinção.
Em seu projeto de pesquisa, ainda em andamento, apoiado pelo Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, a botânica Patrícia Rosa busca os últimos remanescentes selvagens dessa árvore tão valiosa.
O trabalho da doutoranda da Escola Nacional de Botânica Tropical do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (ENBT/JBRJ), consiste em mapear os paus-brasil sobreviventes, tem como finalidade fazer uma avaliação integrada do estado de conservação da espécie.
A pesquisa tem relação com a descoberta botânica recente de que o pau-brasil (Paubrasilia echinata), tem cinco linhagens distintas: pau-brasil-folha-de-arruda-nordeste, pau-brasil-folha-de-café, pau-brasil-folha-de-laranja, pau-brasil-folha-de-arruda-BA e pau-brasil-folha-de-arruda-RJ. Cada linhagem possui características genéticas distintas, porém ainda dentro do mesmo guarda-chuva, neste caso, da mesma espécie.
O pau-brasil-folha-de-arruda-RJ, por exemplo, é uma linhagem exclusiva do estado do Rio de Janeiro, por onde Patrícia fez diversas idas a campo entre 2022 e 2023, que permitiram identificar seis novas subpopulações da espécie em território fluminense (ao todo são 43).
“O estado do Rio de Janeiro é importante porque é a distribuição geográfica mais austral [ao sul] do pau-brasil”, explica a pesquisadora. A ocorrência da árvore, nativa da Mata Atlântica, estende-se até o Rio Grande do Norte.
Entre novembro e dezembro do ano passado, a botânica liderou uma expedição de 25 dias pela região nordeste – da Bahia ao Rio Grande do Norte, com uma passagem pelo Espírito Santo em busca de populações das outras linhagens. Nesse campo, Patrícia identificou quatro novas subpopulações de pau-brasil.
Nessa jornada, Patrícia já percorreu mais de sete mil quilômetros.
(*) cabruca: plantio de cacau à sobra da mata nativa.
Saiba mais em : https://mst.org.br/2020/12/11/pau-brasil-com-mais-de-600-anos-e-preservado-por-familias-sem-terra-em-assentamento-no-extremo-sul-da-bahia/